Viva!
Ando tão enfadada que pouco mais que vegetar tenho feito. Por vegetar refiro-me a executar apenas o essencial à minha sobrevivência biológica e financeira. Pelos vistos, estou a acusar bem mais do que o expectável toda esta situação epidemiológica. Sinceramente, não sei que rumo dar ao meu ânimo, confinado a uma profunda apatia. Espero tratar-se apenas de cansaço e não de uma caminhada rumo à depressão.
Consegui sair do marasmo em que me vi presa nas últimas semanas quando iniciei um curso para aprender a andar de bicicleta. Por incrível que pareça, até este fim de semana andar de bicicleta para mim era o mesmo que pilotar uma nave espacial. E acredita que já fui proprietária de uma reluzente Champion vermelha, enviada da França pelo meu querido e saudoso pai, andava eu no auge da adolescência.
Tanto os meus irmãos como a vizinhança usaram, abusaram e lambuzaram da dita máquina, topo de gama na altura. Todos menos eu! Por medo dos tais efeitos colaterais de que todos falavam (entenda-se quedas), nunca cheguei a aprender. No verão de 2008 ainda ensaiei uma aula com o então namorado de uma das minhas amigas maiores, atleta federado de BTT, mas a coisa não passou disso mesmo, uma tentativa ímpar. A frustração de não ser bem-sucedida à primeira, aliada às dores nas partes traseiras, falaram mais alto que a vontade de aprender.
No verão passado, em terras gaulesas, vi-me novamente condicionada pela minha inaptidão cicloturística. Numa pequena vila onde a oferta de transportes públicos é bastante limitada, as formas de locomoção alternavam entre duas e quatro rodas. Sem habilitação para nenhuma delas, vi-me à rasca em diversos momentos, comprometendo, inclusive, os planos da minha família, que viu-se obrigada a abrir mão dos seus passeios de modo a não excluir-me. Aprender tornou-se, portanto, imprescindível, mais não seja porque tenho planos de para lá ir viver num futuro próximo.
Por isso mal pude acreditar na minha sorte ao deparar-me, já em contagem decrescente para voltar ao sítio onde fui tão feliz no ano passado, com um curso de iniciação à bicicleta, promovido pela autarquia alfacinha em parceria com a Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta. Foi preciso uma operação de charme ao mais alto nível para conseguir uma vaga at last minute, já que a edição esgotara. Foi assim que, no sábado, iniciei uma aventura sobre (duas) rodas; aventura essa que tem suscitado em mim um mix de sentimentos: orgulho, humildade, receio, gratidão e... dor.
Quem olha para os meus membros inferiores dirá, seguramente, que fui vítima de violência. Para bem dos meus pecados, a violência foi desportiva e não doméstica, caso contrário estaria o agressor em maus lençóis e esta solteira aqui em outros bem piores. Ainda que sem ferimentos de maior gravidade, tenho as pernas e as canelas de tal modo raspadas, pisadas e arranhadas, que hoje optei por um vestido longo, quando era minha intenção estrear um modelito midi que comprei há dias com 70% de desconto.
Ainda assim, digo de boca cheia: vale a pena. Finalmente, estou deixando para trás uma limitação que há muito moía-me o juízo. A par disso, estou-me aventurando para fora da minha zona de conforto (literalmente falando). Nestes últimos dois dias, convivi com desconhecidos, partilhei situações insólitas, superei o medo, a ansiedade, o nervosismo, a vergonha e a humilhação. Redescobri o sentido daquela máxima que diz que não há sucesso sem fracasso e que só vence quem insiste, persiste e não desiste. Voltei a lembrar-me que nunca é tarde para se aprender e que abrir mão dos meus sonhos jamais deve ser uma opção.
Estou tão empolgada que, mesmo sem ter concluído o curso, combinei ir dar umas voltas com outras colegas. O entusiasmo é tal que já identifiquei novos alvos: trotineta e patins. Se é para sofrer que seja tudo de uma vez!
Um abraço desta tua amiga dorida, mas realizada!