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Crónicas, contos e confissões de uma solteira gira e bem resolvida que não cumpriu o papel para o qual foi formatada: casar e procriar. Caso para cortar os pulsos ou dar pulos de alegria? Provavelmente, nem uma coisa nem outra!
Viva!
Ultimamente, como consequência da pandemia do Covid-19, muito se tem debatido a questão dos millennials, sobretudo do facto de, num curto espaço de tempo, enfrentarem uma nova crise nas suas vidas. A propósito disso, republico um dos best reading deste blog, um texto da Ruth Manus, publicado na Revista Pazes, que narra de forma nua, crua e acutilante a realidade de uma geração de profissionais bem-sucedidos, cuja vida gira à volta da carreira. Para ler e refletir!
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E a juventude vai escoando entre os dedos.
Era uma vez uma geração que se achava muito livre.
Tinha pena dos avós, que casaram cedo e nunca viajaram para a Europa.
Tinha pena dos pais, que tiveram que dar o duro em empreguinhos ingratos e suar muitas camisas para pagar a renda, a escola e as viagens em família para pousadas no interior.
Tinha pena de todos os que não falavam inglês fluentemente.
Era uma vez uma geração que crescia quase bilíngue. Depois vinham noções de francês, italiano, espanhol, alemão, mandarim.
Frequentou as melhores escolas.
Entrou nas melhores faculdades.
Passou no processo seletivo dos melhores estágios.
Foram efetivados. Ficaram orgulhosos, com razão.
E veio pós, especialização, mestrado, MBA. Os diplomas foram subindo pelas paredes.
Era uma vez uma geração que aos 20 ganhava o que não precisava. Aos 25 ganhava o que os pais ganharam aos 45. Aos 30 ganhava o que os pais ganharam na vida toda. Aos 35 ganhava o que os pais nunca sonharam ganhar.
Ninguém os podia deter. A experiência crescia diariamente, a carreira era meteórica, a conta bancária estava cada dia mais bonita.
O problema era que o auge estava cada vez mais longe. A meta estava cada vez mais distante. Algo como o burro que persegue a cenoura ou o cão que corre atrás do próprio rabo.
O problema era uma nebulosa na qual já não se podia distinguir o que era meta, o que era sonho, o que era gana, o que era ambição, o que era ganância, o que necessário e o que era vício.
O dinheiro que estava na conta dava para muitas viagens. Dava para visitar aquele amigo querido que estava em Barcelona. Dava para realizar o sonho de conhecer a Tailândia. Dava para voar bem alto.
Mas, sabes como é, né? Prioridades. Acabavam sempre ficando ao invés de sempre ir.
Essa geração tentava convencer-se de que podia comprar saúde em caixinhas. Chegava a acreditar que uma hora de corrida podia mesmo compensar todo o dano que fazia diariamente ao próprio corpo.
Aos 20: ibuprofeno. Aos 25: omeprazol. Aos 30: rivotril. Aos 35: stent.
Uma estranha geração que tomava café para ficar acordada e comprimidos para dormir.
Oscilavam entre o sim e o não. Você dá conta? Sim. Cumpre o prazo? Sim. Chega mais cedo? Sim. Sai mais tarde? Sim. Quer se destacar na equipa? Sim.
Mas para a vida, costumava ser não:
Aos 20, eles não conseguiram estudar para as provas da faculdade porque o estágio demandava muito.
Aos 25, eles não foram morar fora porque havia uma perspectiva muito boa de promoção na empresa.
Aos 30, eles não foram no aniversário de um velho amigo porque ficaram até as 2 da manhã no escritório.
Aos 35, eles não viram o filho andar pela primeira vez. Quando chegavam, ele já tinha dormido, quando saíam ele não tinha acordado.
Às vezes, choravam no carro e, descuidadamente começavam a se perguntar se a vida dos pais e dos avós tinha sido mesmo tão má como parecia.
Por um instante, chegavam a pensar que talvez uma casinha pequena, um carro popular dividido entre o casal e férias num hotel quinta pudessem fazer algum sentido.
Mas não dava mais tempo. Já eram escravos do câmbio automático, do vinho francês, dos resorts, das imagens, das expetativas da empresa, dos olhares curiosos dos "amigos".
Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal tinha conhecimento, tinha poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro.
Só não tinha controlo do próprio tempo.
Só não via que os dias estavam passando.
Só não percebia que a juventude estava escoando entre os dedos e que os bónus do final do ano não comprariam os anos de volta.
Viva!
Numa busca frenética por um tema inspirador para este post, lá me lembrei de espreitar os rascunhos que vou atirando para os bastidores do AS, à medida que vou sendo acometida por espasmos epifânicos. Foi assim que acabei por resgatar um artigo do Público sobre as selfies, datado de 18 de setembro deste ano. Por se tratar de um assunto atual e pertinente, logo digno do nosso olhar acutilante, eis-me aqui a desafiar-te para um tête-à-tête sobre o fenómeno do autorretrato digital.
Para começo de conversa, não é de hoje que ouvimos, aqui e acolá, que por detrás de muito selfie existe um perfil narcisista, carente e pouco confiante. Verdade seja dita, quem de nós não possui no seu círculo de amizade virtual alguém cujo perfil corresponde na perfeição a esta descrição? Dado que a selfiemania parece ter vindo para ficar – se bem que já tenha visto dias melhores – proponho dissecá-lo comme il faut. Afinal, a ela ninguém sai ileso.
Publicar muitas selfies nas redes sociais leva os fotografados a parecerem mais egocêntricos, inseguros, menos bem-sucedidos, menos simpáticos e menos abertos a novas experiências. Especialmente se essas fotografias intentam evidenciar certas partes da sua anatomia. Por outro lado, publicar fotografias tiradas por outros, posies, está associado a uma maior autoestima e espírito aventureiro. Pelo menos é esta a conclusão de um estudo publicado recentemente no Journal of Research in Personality.
"Mesmo quando duas contas tinham conteúdos semelhantes, os sentimentos dos outros sobre a pessoa que publicava mais selfies eram mais negativos", resume o professor de psicologia Chris Barry, da Universidade do Estado de Washington, na apresentação dos resultados de uma pesquisa que comparou a forma como as pessoas são percecionadas com base no tipo de fotografias que publicam no Instagram. "É a prova de que, independentemente do contexto, há certas dicas virtuais que podem desencadear respostas positivas ou negativas nas redes sociais."
A experiência académica notou também que todos os utilizadores que publicavam fotografias para acentuar alguma caraterística física eram considerados egocêntricos. Nos casos das selfies foram ainda considerados solitários, maus amigos, pouco empáticos para com outros e pouco dispostos a vivenciar novas experiências.
Muito se tem escrito e discutido sobre a cultura selfie estar na raiz de uma geração mais narcisista do que nunca, exposta a novos meios onde o "eu" está acima de tudo e todos. "Estamos cada vez mais acostumados a pessoas vaidosas e posers que não têm mais nada a oferecer que não elas próprias e a sua necessidade de estar numa plataforma pública", considera Jeffrey Kluger, escritor sénior da Time, revista que em 2013 dedicou uma das suas edições à The Me Me Me Generation, onde na capa vinha estampada que "os millennials são narcisistas preguiçosos e egocêntricos que ainda vivem com os pais".
Segundo o jornalista que assina o artigo, "mais do que o narcisismo, os millennials são famosos pelo efeito dele: agir como se o mundo lhes devesse alguma coisa. Não só têm falta de empatia para se sentirem preocupados com os outros, como têm dificuldade em perceber o ponto de vista das outras pessoas, afinal cresceram a ver reality shows, que na sua maioria são documentários sobre o narcisismo", remata Joel Stein.
Se és da safra 1980-2000, mas não te identificas no acima descrito, tens mais do que motivos para te sentires afrontada com tais afirmações. Pudera, não são nada benevolentes, ainda que tenham o seu quinhão de verdade.
Por não fazer parte dessa turma da igualmente apelidada pela sociologia de Geração Y, sinto-me perfeitamente à vontade para mandar este bitaite: independentemente da faixa etária, da classe social ou do traço de personalidade, é incontestável que o mundo anda precisado de mais criaturas desconectadas do virtual, logo conectadas com o real; a sociedade precisada de mais pessoas focadas no outro, logo menos no "em si mesmo"; e nós humanos absolutamente ávidos por menos "me" e mais "we".
Dado que está o recado, dou por concluído este artigo, não sem antes deixar-te com aquele abraço amigo de sempre. Voltarei na quarta!
Viva!
Um estudo de comportamento apurou que cerca de ¼ da população norte-americana entre os 18 e os 29 anos não teve qualquer relação sexual durante um ano ou mais; uma tendência transversal a várias sociedades ocidentais e que tem vindo a acentuar-se nas últimas três décadas.
Para os especialistas, a explicação para este fastio sexual dos millennials (nome porque é tratada esta geração) parece residir na apetência pelo virtual em detrimento do real. "Há demasiadas solicitações virtuais que exigem respostas e que satisfazem esta geração. O próprio sexo pode ser sem parceiro ativo. O prazer, o desejo ou a atividade sexual já não são uma prioridade", considera um dos envolvidos no estudo.
A propósito disso, Luís Pedro Nunes, numa crónica para a GQ, descreve o estado anémico da vida sexual dos jovens nestes termos: "Li algures uma série de possibilidades que podem estar a contribuir para esta crise de tesão-jovem: alterações na cultura de engate; viver na casa dos pais até tarde; efeitos secundários dos antidepressivos; a explosão do Netflix; aumento do estrogénio devido ao plástico na comida; queda da testosterona; vício no porno digital; viver-se a era de ouro do vibrador; obsessão na carreira; as apps de engate; privação de sono; epidemia da obesidade e mais uma catrefada. Há ainda questões religiosas de jovens que optam por permanecerem virgens até encontrar 'a pessoa certa'".
Na ótica deste cronista, "o real é cada vez mais um lugar perigoso, onde as regras são pouco claras, cheio de armadilhas e múltiplas interpretações, para além do risco de se ser humilhado pela rejeição – o maior dos medos. E estas apps de engate estão pensadas para que tal humilhação não aconteça, pois há uma troca feita para anular a possibilidade de rejeição. Perante tanto sexo digital, tanta excitação online, tanta emoção de expectativa nas apps, tanta conversa no sexting, o sexo em si – o sexo tradicional, aquilo, tipo, um com uma e nada mais – acaba por parecer dececionante para um jovem".
Se a malta continuar a pinar a este ritmo cada vez mais desacelerado, a humanidade caminha a passo de corrida para a extinção, já que o sexo é a matéria-prima sem a qual a fábrica de bebés dificilmente consegue laborar a pleno vapor. A diminuição do número de cambalhotas é tão flagrante que a maternidade anda em gestão lay-off e as mulheres engravidam cada vez menos e em idade mais avançada.
Just saying, afinal quem avisa amigo é!
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