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Crónicas, contos e confissões de uma solteira gira e bem resolvida que não cumpriu o papel para o qual foi formatada: casar e procriar. Caso para cortar os pulsos ou dar pulos de alegria? Provavelmente, nem uma coisa nem outra!
Viva!
Estreei-me hoje como cronista do P3, o caderno digital do jornal diário de maior prestígio de Portugal e, estou em crer, da lusofonia, o Público. Sobre a catadupa de emoções que me assaltam o espírito neste momento falarei numa outra oportunidade. Por ora só quero celebrar, assimilar, abençoar e agradecer esta enorme conquista, que agora contigo partilho.
Este país (ainda) não é para solteiras
Escrevo esta crónica na ressaca do Dia dos Namorados, supostamente o mais romântico do ano, no qual as pessoas solteiras, sobretudo as mulheres, mais acusam a falta de um par com quem trocar juras de amor. Escrevo em nome de todas aquelas que, de uma forma ou de outra, se sentiram desmerecidas pelo facto de não terem com quem partilhar a data. Escrevo em nome das portadoras de corações solitários que hipotecam a sua felicidade em nome do amor alheio. Escrevo em nome da dignidade da mulher solteira.
Antes de começar a desenrolar este novelo, desafio-te a citar um estado civil que incomode tanto à sociedade como o celibato. Sabemos bem que o matrimónio celebra-se, o divórcio evita-se e a viuvez lamenta-se. Então e a solteirice? A essa teme-se tanto quando repudia-se. Porque incomoda tanto este estado civil/estatuto amoroso e porque pesa ele toneladas sobre os ombros das discípulas de Vénus é o que vou tentar analisar ao longo dos próximos três parágrafos.
Por experiência própria, e de outrem também, atrevo-me a dizer que o motivo desta aversão declarada há muito que deixou de se prender com a crença de que as solteiras comprometem a sobrevivência da espécie, ou seja, que as mulheres não casadas, por não procriarem (legitimamente), são o desgarante da perpetuação humana. Dados do Eurostat, relativos a 2016, indicam que mais de metade (53%) dos bebés nascem fora do casamento. Então porque continua a sociedade inabalável no seu propósito de emparelhar os indivíduos, em especial as senhoras?
Porque toda e qualquer sociedade assenta em crenças, valores e padrões de comportamento profundamente enraizados na sua essência. Para algumas coisas, ela abraça a mudança a curto prazo, para outras a médio e para umas quantas, como é o caso do celibato feminino, a longo prazo. Serve-nos de prova a história da humanidade que a mudança é uma questão de tempo. Portanto, neste caso concreto, vai-lhe sendo cada vez mais insustentável continuar a ignorar que os tempos evoluíram, os pensamentos mudaram, as prioridades alteraram, as mentalidades individualizaram, as mulheres emanciparam.
A sociedade portuguesa não passa incólume a esta realidade. Pelo contrário! Por aqui ainda é demasiado pujante a pressão e o estigma à volta do assunto. A esperança reside nas actuais pequenas conquistas que se expecta que um dia venham a traduzir-se numa retumbante vitória. Nesse dia, as mulheres deixarão de se sentir acanhadas, para não dizer diminuídas, por não terem um homem na sua vida. Nessa altura, elas serão as únicas responsáveis pelo seu destino, as legítimas proprietárias da sua condição amorosa. Nessa altura, o comando da felicidade será um exclusivo delas. Nessa altura, flagelos sociais como a violência doméstica ficarão relegados a casos pontuais. Nessa altura seremos todos mais felizes. Até lá, convém não esquecermos que este país (ainda) não é para solteiras!
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