
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Crónicas, contos e confissões de uma solteira gira e bem resolvida que não cumpriu o papel para o qual foi formatada: casar e procriar. Caso para cortar os pulsos ou dar pulos de alegria? Provavelmente, nem uma coisa nem outra!
Viva!
Esta minha crónica sobre como fui apanhada pela greve dos profissionais de saúde, mais concretamente a dos discípulos de Hipócrates, começou a ser digitada às primeiras horas deste dia, enquanto aguardava que reagendassem uma consulta. O me levou a escrever um post, às nove da manhã, apoiada numa parede do centro de saúde da minha área de residência? Já passo a explicar!
Há espera desde abril, calhou-me conseguir uma vaga na mais que concorrida agenda da minha médica de família num dia de greve. Quanta sorte a minha! Depois de saber da paralisação destes profissionais de saúde, ainda pensei em deixar-me ficar mais um pouco no aconchego do leito, mas a consciência cívica e a lembrança do quão difícil foi conseguir essa consulta acabaram por falar mais alto.
"A médica já devia estar cá, portanto deve fazer greve. Vamos remarcar para outro dia", foi a primeira coisa que ouvi da boca da funcionária que me calhou; uma personagem que mais parece ligada a soro, tamanha a ausência de empatia para com o meu ar de desgosto ao constatar que a viagem tinha sido em vão e que mais valia ter ficado em casa a amarrotar os lençóis.
"Pode ser na sexta, dia 5, às 9h30?", prossegue ela sem me dar tempo para balbucionar o "porra de vida" que me apetecia gritar a plenos pulmões, de modo a fazer desaparecer aquele arzinho indiferente ao transtorno alheio que se lhe contorcia no rosto, precocemente envelhecido, provavelmente à custa do stress agudo que lhe deve provocar o cargo de assistente administrativa num centro de saúde, visivelmente sem capacidade para fazer face à crescente procura por parte de utentes maioritariamente estrangeiros. Afinal, Arroios orgulha-se de ser a freguesia com maior diversidade cultural do país, albergando freguesinos de 90 nacionalidades.
Retomando o meu drama matinal... assim que tomo conhecimento de que teria que voltar dali a dois dias, argumento que isso implicaria entrar mais tarde no trabalho, pela segunda vez num espaço de três dias. A resposta peremptória dela? "A utente terá que voltar as vezes que forem precisas, afinal quer-se consultar ou não?". Como quero – na verdade, preciso – terei, de facto, que voltar; as vezes que forem precisas, sem mugir nem tugir.
Sim, porque esta utente aqui não tem absolutamente nada para fazer na vida a não ser por-se à disposição do sistema, subjugando a sua própria necessidade. E, já agora, vontade, que ela também é gente (com J, porque se fosse com G veria os seus direitos mais básicos – como o acesso ao cuidados de saúde – atendidos e respeitados em tempo útil).
Como se não bastasse ter esperado meses para conseguir a consulta, já perdi a conta de quantas excursões tive eu que fazer ao ACES da Alameda. Como não atendem o telefone nem por decreto presidencial e estando impossibilitada de fazer marcações online, já que a chave digital só aceita registo com cartão do cidadão (os estrangeiros que se f*dam), para conseguir marcar consulta não me resta outra opção se não fazê-lo presencialmente.
Sobre a maçada que é sair cedo de casa, esperar uma eternidade numa sala apinhada que tresanda a enfermidade e desânimo, faltar ao trabalho e gerir o stress/desgaste emocional nem vou me alongar, que será desperdício de tempo, argumentos e emoções. E pensar que todo este tormento visa obter uma simples credencial para uma análise ao sangue.
Infelizmente, este é apenas mais um retrato do estado caótico em que se encontra o Serviço Nacional de Saúde, de quem ninguém sai ileso mas ao qual não se pode escapar (pelo menos os que não têm carteira para irem ao privado).
Por hoje é tudo. Volto na sexta com algum tema mais agradável. Até lá, deixo-te com o abraço amigo de sempre.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.