
Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Crónicas, contos e confissões de uma solteira gira e bem resolvida que não cumpriu o papel para o qual foi formatada: casar e procriar. Caso para cortar os pulsos ou dar pulos de alegria? Provavelmente, nem uma coisa nem outra!
É só uma questão de horas até que eu entre, definitiva e irremediavelmente, no meu 38º aniversário. A caminhada para os 40 faz-se agora em contrarrelógio, para mal dos meus pecados. Não penses que me sinto deprimida com isso. Longe disso. Já que o calendário não nos pede licença para seguir em diante, mais vale encararmos mais um ano biológico como uma nova oportunidade para tocarmos a nossa vida, lutarmos pelos nossos sonhos e tornarmo-nos melhores seres humanos.
À semelhança de muitos mortais, por estes dias ando mais reflexiva, introspetiva mesmo, a matutar sobre o ano que agora finda, sobre o outro que está à porta, mas sobretudo sobre a (eminente, porém inevitável) aterragem na casa dos "entas", um marco importantíssimo na vida de qualquer pessoa (penso eu de que… como costuma dizer o bom e velho Pinto da Costa – sou portista fazer o quê?).
E uma das coisas nas quais tenho pensado bastante nestes dias é em Deus, melhor dizendo, na minha (não) relação com Ele, de quem nunca me senti filha, mas que me faz tanta falta como se de um verdadeiro pai se tratasse.
A propósito disso, convém eu recuar umas semanas atrás, até um episódio passado na paragem do 774 das Amoreiras. Estava eu sentada, com uns quantos sacos de compras aos meus pés, que era dia de providenciar o abastecimento da despensa e do frigorífico, quando se abeiram da minha pessoa duas beatas – aquelas que andam pelas ruas com folhetos da Bíblia na mão, a abordar os incautos e a tentar "recrutá-los" para a sua causa (que sabemos bem que não é apenas religiosa).
As ditas senhoras vendo em mim um alvo fácil, também pudera com aquela minha cara de paisagem, digna de uma órfã de companhia humana (nenhuma vivalma por perto), musical (o maldito do ipod sem bateria) e digital (o meu smartphone de smart pouco tem). Após o "boa tarde" da praxe (educado, há que admitir), entram a matar: "Quem é que a menina acha que manda no mundo? Deus ou os homens?"
Com a paciência a perigar, mas atenta à consideração que todos aqueles que estão a tentar garantir o seu ganha-pão merecem, penso logo numa frase educada, porém letal, para dar por encerrada a abordagem. Só que aquele bicho que habita em mim e que me faz ter (quase) sempre uma resposta na ponta da língua, aliado ao facto de na minha profissão não responder é sinal de incompetência, sai-me esta: "Acho que o mundo é de Deus, mas quem manda nele são os homens!"
É precisamente a partir deste ponto que quero incidir este post. Quem é para mim Deus, quem sou eu para Ele e o que representamos na vida um do outro.
Para tua informação eu não poderia ser mais católica apostólica romana. Inputs religiosos foi o que nunca faltou durante a minha vida: fui batizada logo às primeiras semanas de vida, fui à catequese, fiz a primeira comunhão, crismei, fiz leitura na missa, assisti a ordenação de padres e até fui ver o papa João Paulo II quando visitou o arquipélago da morabeza, a minha terra encantada.
Como podes ver formação mais cristã não poderia ter tido. A minha família, de ambos os lados, não poderia ser mais religiosa. Costumo dizer, meio a brincar meio a sério, que a minha avó (pelo lado de mãe), no dia em que for liberado o sacerdócio às mulheres, ela será com toda a certeza a primeira a ser ordenada, tamanha a sua devoção à Santa Igreja.
Tendo em conta o acima exposto, o expetável seria eu ter uma ligação natural e inata com o divino. Mas o facto é que não sinto nenhuma conexão com o Todo-Poderoso e com o Seu staff. Na verdade nunca senti, ainda que, por tantas vezes, tenha forçado a coisa.
Sou a ovelha negra da família porque não vou à Igreja, mas sobretudo porque não digo ámen a todos os ensinamentos e mandamentos da Santa Sé. Os restantes membros da minha prole assumem uma fé em Nosso Senhor à prova de tudo. Como cristãos exemplares que são vão à missa, possuem um terço, rezam antes de se deitarem, andam com pagelas de santos na carteira, mandam rezar missa, fazem promessas, pagam promessas, visitam santuários, e no seu dia-a-dia invocam o nome d’Ele sem qualquer pudor. Contam com a sua graça nas horas de aperto, confiam na sua proteção nos instantes de aflição e agradecem a sua bênção nos momentos de glória.
Nem imaginas como os invejo. Tomara eu conseguir acreditar nessa figura omnipotente e omnipresente, bem como na sua infinita sapiência e eterna misericórdia. Sinto falta de algo assim na minha vida. Mesmo! Essa presença espiritual, transcendental, metafísica, divina, que a tanta gente dá alento, faz acreditar no impossível, desafiar o inimaginável e superar o impensável.
Talvez por ser portadora de um espírito demasiado inquiridor, de uma inquietice acutilante; talvez por não ter sido programada para reagir ao modo "fé"; talvez por ser uma filha desnaturada ou quiçá por ter como pai um Deus menor e ausente.
Agora diz-me o que deve fazer uma pessoa completamente alheia à fé, mas que carrega consigo um vazio na alma que só o espiritual consegue preencher?
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.