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Crónicas, contos e confissões de uma solteira gira e bem resolvida que não cumpriu o papel para o qual foi formatada: casar e procriar. Caso para cortar os pulsos ou dar pulos de alegria? Provavelmente, nem uma coisa nem outra!
Ora viva! ✌️
Hoje partilho contigo a minha última crónica, uma original, para o Balai Cabo Verde, publicado ontem, 1 de março.
Querido 2022,
Há muito que estou para te escrever, só que, entre um afazer e outro, o tempo foi passando, sem que eu pusesse no papel aquilo que me ia na alma. Depois de ontem, não posso mais adiar esta missiva.
Sei que mal nos conhecemos, vimo-nos apenas 49 dias, mas já deu para perceber que não serás menos exigente que o teu antecessor. Pelo contrário, entraste logo a matar, literalmente falando.
Quero que saibas que estou ciente da tarefa dura, ingrata mesmo, que tens em mãos. Entraste em cena num período conturbado da história da humanidade, connosco cansados, devera desgastados, com um peso enorme nas costas e um grande aperto no coração. O que talvez não saibas é que, com a tua chegada, renovámos a esperança em dias melhores, crentes de que seríamos capazes de dar conta dos desafios que trarias.
"Pior do que 2021 não há de ser!", profetizamos. Como estávamos enganados. Mal começamos a acreditar que tínhamos encurralado o vírus do SARS-CoV-2, eis que no dia 24 de fevereiro nos acordas com um novo desafio. E que desafio. Uma guerra. Na Europa. Do Leste. Um território que é um barril de pólvora, como bem sabes.
Não sei quais os teus planos para os próximos 10 meses que faltam para dares por cumprida a tua missão. O que sei é que as tuas ações até ao momento não têm augurado nada de bom. Como se não bastasse uma luta implacável contra a covid-19, agora nos brindas com um conflito armado no velho continente.
Se permites que te diga, era a última coisa de que precisava o mundo numa altura em que as suas gentes estão por demais vulneráveis. Que grande trapalhada andas tu a fazer! Para além dos ucranianos que estão a sofrer horrores que apenas posso imaginar, as bolsas financeiras estão a afundar, o preço do petróleo e do gás a disparar em flecha e o clima de insegurança a alastrar. E não esqueçamos que o maldito bicho continua à solta, sedento de vidas humanas.
Estamos com o coração na mão, expectantes para saber quando voltaremos a viver sem (grandes) sobressaltos, num clima de paz e cooperação. Se não for pedir demais, intercede por nós junto de todos os deuses, santos, anjos, arcanjos e companhia limitada para que sejam cessadas de imediato as hostilidades. Diz a eles que queremos levar a nossa vida em segurança, que queremos voltar a ter prazer em ver os noticiários, que queremos celebrar a vida e não chorar a perda de vidas inocentes. Lembra a eles que a maioria de nós gosta de paz, amor, abraços e sorrisos e não de mortes, dor, sangue, medo ou insegurança.
Mal completaste dois meses de vida e já estou com a sensação de que não te posso mais aturar. Dá-nos uma trégua, imploro-te! Precisamos voltar a acreditar que vai tudo ficar bem e que voltaremos a viver, circular e desfrutar, sem barreiras nem fronteiras. Queremos que os nossos semblantes descarreguem, que os nossos sorrisos voltem a ser espontâneos, que as nações voltem a confiar umas nas outras e os povos a acreditar na paz.
Ao invés das imagens que conspurcam os nossos olhos desde ontem, queremos ver registos de crianças felizes, adultos alegres e entidades funcionais. Queremos que a sede de poder e autoafirmação de alguns se transforme em vontade de fazer o bem a todos. Queremos levar luz, esperança e conforto a todos os que nos rodeiam. Precisamos curar as nossas dores e não abrir feridas novas.
Termino dizendo que me sinto impotente por não conseguir atinar com o que estás a fazer da tua vida. O que sei é que estás a fazer merda com a nossa. Mais tenho eu para te dizer, quem sabe quando renovar em mim a crença de que és capaz de nos proporcionar dias mais leves.
Sem muita estima,
Sara
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