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Crónicas, contos e confissões de uma solteira gira e bem resolvida que não cumpriu o papel para o qual foi formatada: casar e procriar. Caso para cortar os pulsos ou dar pulos de alegria? Provavelmente, nem uma coisa nem outra!

Ora viva! 👋
Começo por convidar todo aquele que tem por hobby andar à cata de erros (gramaticais) alheios, o favor de ler o primeiro parágrafo deste post. Espetada a primeira alfinetada do dia, eis me mais do que pronta para partilhar contigo as últimas novas desta recém-emparelhada, radicada há pouco mais de um ano no País Basco.
Pronto, acabo de deitar por terra o primeiro spoiler sobre o meu paradeiro. A seu tempo revelarei o nome da cidade, assim que me assegurar que o meu nome deixou de constar da lista "most wanted" da Europol, por deserção do exército dos solteiros.
Retomando ao assunto do momento entre a minha comunidade: eu e o Ste, ou o Ste e eu (como preferires), tenho a dizer que a nossa escapadinha romântica a um dos Top 5 dos meus destinos de sonho foi uma aventura e tanto, com direito ao previsto e ao imprevisto também.
Com partida de Bilbao num domingo e regresso à casa de partida na quinta-feira seguinte, o novel casal café com leite teve a oportunidade de desfrutar de cinco intensos, maravilhosos e inesquecíveis dias em Ibiza.
Escuso-me a partilhar os detalhes íntimos desses dias que guardarei para todo o sempre na memória e no coração. Os primeiros dois, domingo e segunda-feira, foram de intensa atividade física, dentro e fora do hotel, se é que me entendes 😉. Tudo nos corria na perfeição, até que entrou em cena um vulto inesperado chamado Gabrielle. Se te veio à mente a imagem de uma mulher podes parar por aí, que a malícia anda à solta na tua imaginação.
Brincadeira à parte, tenho a dizer que, no passado dia 30 de setembro, eu e o Ste fomos apanhados pela mesma tempestade que varreu o arquipélago dos Açores e depois foi parar à costa valenciana, bem como às vizinhas ilhas Baleares.
É meu bem, a Sarita, por razões que lhe são alheias, dá sempre um jeito de estar aonde a história se faz. Benção ou maldição, é uma questão de ponto de vista. Eu prefiro acreditar que se trata de karma, um teste à minha resiliência ou, quiçá, nutrir a minha vida de excitantes narrativas para contar.
Retomando o fio à meada, depois de uma chuvarada daquelas durante a noite anterior (com direito a trovões e relâmpagos), essa terça-feira amanheceu cinzenta e mal humorada, tal duas comadres coscuvilheiras que se zangaram na véspera.
Tinha-me desafiado o meu "mec" para irmos visitar o ponto mais alto da ilha, cuja subida exigia uma hora de caminhada para atingir o cume e outra para regressar à base. Confesso que não estava particularmente entusiasmada com a ideia de escalar o Sa Talaia, ainda por cima num dia tão pouco amistoso.
Como tinha dado a minha palavra, e à palavra dada não se volta atrás, lá pegamos na nossa viatura de aluguer e partimos em direção à vila de Saint Josep. Mal nos aproximamos do sítio onde era suposto apearmos e começar o calvário (perdão, caminhada 😅), eis que uma chuvinha mansinha começa a dar o ar da sua graça.
Perante tal cenário, o Ste, que é das pessoas mais determinadas que conheço, viu-se obrigado a render-se às evidências, deixando assim cair por terra a pretensão de atingir o cume da montanha mais alta da isla blanca, como se de uma versão europeia do alpinista Nims Puja se tratasse.
Como o meu mec não é membro do clube Dolce Fare Niente, em alternativa, sugeriu que passássemos por Sa Caleta, outra deslumbrante enseada local. Apesar de o tempo continuar com ar cada vez mais ameaçador, nada nos fazia prever o que viria a passar-se dali a pouco.
Em plena sessão de fotos, como qualquer turista de primeira viagem na região, eis que de repente os nossos telefones começam a emitir um sonoro e estridente ruído, inédito e inesperado. Nos respectivos ecrãs, vimos um alerta vermelho a avisar que a caminho estava uma chuva forte, com probabilidade de rápida subida de água, pelo que se recomendava que aqueles que se encontrassem no exterior se abrigassem, sendo desaconselhada a permanência perto de falésias, ribanceiras e afins.
Reconheço que desvalorizamos a mensagem (escrita em francês e inglês), não obstante o céu revelar-se cada vez mais escuro e intimidante. A nosso tempo, deixamos o local, tendo em mente uma passagem pelo Parque Natural de Ses Salines, ainda que sem sair da viatura. Foi nesse preciso momento que o céu tombou sobre nós.
Uma chuva intensa, como jamais presenciei na vida, começou a cair e em questão de poucos minutos, a estrada começou a ficar inundada. O nosso Renault Clio, obviamente despreparado para enfrentar uma intempérie dessa intensidade, começou a ceder a ponto de chegar-nos ao olfacto o cheiro de borracha queimada, um claro sinal de que o seu motor começava a sobreaquecer.
Sem ver um palmo à frente do nariz e com o nível da água a subir rápida e perigosamente, só nos restava duas saídas: encontrar um sítio seguro para estacionar ou abandonar a viatura e procurar abrigo a pé. No meio de nenhures, não sabíamos por onde nos virar. Eu dizia que devíamos parar e o Ste era da opinião que devíamos regressar ao hotel, caso contrário afogar nos íamos em questão de minutos.
O nervosismo, a raiar o pânico, era de tal ordem que eu nem conseguia escrever o nome do hotel no GPS. Com o Ste a tentar dominar o carro e eu a tentar visualizar um local seguro para nos abrigarmos, a estrada ia ficando mais e mais alagada. A essa altura eu só dizia que devíamos abandonar a viatura (felizmente assegurada contra todos os riscos). Por seu lado, o Ste era categórico: devíamos regressar ao hotel, que distava a 20 km. Argumentava eu que era muito mais perigoso insistir em conduzir nessas condições por uma estrada que ele mal conhecia, cheia de subidas e descidas, curvas e contracurvas, sem barreiras nem separador. Perante a sua recusa em parar ou abandonar a viatura, implorei-lhe que ao menos reduzisse a velocidade a 30 km/h.
Perante a ideia de mais 30 minutos de asfalto sob condições tão adversas, o meu coração saltava pela boca. Eu só pensava o quão inglório seria se o desfecho fosse trágico. Apesar de não ter clamado por proteção divina, Deus sentiu o nosso desespero e resolveu interceder a nosso favor.
Volvidos somente cinco minutos, ao enveredarmos pela via que conduzia ao lado sul da ilha, onde ficava a nossa unidade hoteleira, deparámos-nos com uma estrada seca. A nossa tormenta tinha chegado ao fim. A viagem de regresso ao Hotel Village Ibiza foi feita com a boca seca, o coração aos pulos, as mãos suadas e o corpo tenso. Uma vez lá, ficamos a saber que estivemos no epicentro da tempestade, ou seja, estivemos no olho do furacão, como coloquialmente se costuma dizer.
Só na manhã seguinte, nosso penúltimo dia na ilha, ao irmos ao centro de Eivissa para apanhar o ferry com destino à vizinha Fromentera, é que pudemos ver pelos nossos próprios olhos, o enorme estrago que Gabrielle provocou: ruas alagadas e lamacentas; viaturas de bombeiros, polícia e proteção civil por todo o lado; parques de estacionamento interditados; comércio e restauração fechados; andares térreos cheios de lama; recheio de lojas e residências particulares na rua; enfim... o que o mundo viu nas notícias, vimos nós ao vivo e a cores.
Entre as várias lições que tirámos deste episódio, a mais importante de todas foi: jamais ignorar ou subestimar um alerta da proteção civil. Ao instante em que ela chegar é largar tudo e procurar abrigo, sem pestanejar ou titubear.
Por hoje é tudo. Aquele abraço amigo e até para a semana.
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